quarta-feira, 27 de novembro de 2013

50 Tons de Rosa


O padrão de gênero dentro da creche



Eu vejo meninas de 3 anos usando rosa como se fosse a única cor do mundo, a melhor, a mais bonita, aquela de “princesa”!
E por outro lado, vejo meninos achando que essa cor não é pra eles.

Uma criança de 3 anos já carrega isso com ela e passa despercebido pelos pais, mães e professorxs. Uma menina não é mais delicada que um menino porque simplesmente é, mas porque foi criada para ser. A menina ganha a boneca e os utensílios de cozinha desde pequena, para já aprender a ser uma boa dona de casa quando crescer.
Já o seu parceiro, futuro marido, ganha uma bola e um carrinho, para já entender que quem vai sair para trabalhar e se divertir vai ser ele, enquanto sua esposa está cuidando da casa e das crianças.

Falo parceiro, pois a heteronormatividade também impera nas creches, pré-escolas e escolas.

As crianças são bombardeadas por todos os lados, aprendem a se vestir, se comportar, falar, comer, andar de uma determinada maneira. Aprendem na escola, assistindo TV, andando na rua, no supermercado, indo ao banheiro. Tudo é dividido entre Homem e Mulher, desde pequenx elxs aprendem essa divisão binária que pode ser extrapolada.

A creche deveria ser o lugar de desconstruir essa identidade imposta para a criança, para que ela construa a sua própria, mas o que a gente encontra é um reforço desse padrão.
Xs professorxs não conseguem, ou não sabem, ou não enxergam essas determinações para as crianças e não acabam com elas. Nem na escola a criança é livre pra ser o que quiser.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Kilt

Texto muito bom de Cesar Mondini... Tem o tom do blog e fomenta uma discussão e uma reflexão bastante importantes sobre um tema muito pertinente, de uma forma absolutamente precisa...

"Pensei em como escrever isso, e tudo soa mal. Porque a história é terrível.
Por uma série de acontecimentos me vi exclusivamente com um kilt para vestir. Era usá-lo para sair à rua ou ir de cueca. Fui.
Posso seguramente dizer que foi a experiência social mais traumatizante da minha vida. Brigas, agressões, comentários: nada disso jamais me atingiu como o que me aconteceu hoje: andar na rua com um kilt.
Eu já havia ouvido relatos e lido acontecimentos cotidianos sobre a opressão cotidiana que sofrem as pessoas trans*. Eu estava a par dos fatos. Mas sentir essa opressão foi no mínimo avassalador.
Adoro meu kilt. Feito pela minha mãe, eu arriscaria dizer que é a peça do meu guarda roupa que mais me agrada. Toda vez que há uma festa a fantasia lá estou eu de escocês. Isso porque uso a fantasia como desculpa para usá-lo. Não estou ali de escocês. Estou ali de Cesar. Só que nunca tive coragem de vesti-lo e sair a rua. Como eu disse eu estava, e todos nós estamos, cientes do machismo e da transfobia que nos circunda e que repetimos, e eu cuidadosamente me protegi dessas agressões chamando uma peça que gosto de fantasia, de um excesso justificável.
Eu não andei de kilt a noite, indo pra uma festa, numa situação escusa ao mundo. Eu o usei num dia comum, andei de ônibus, fiz prova, passei em frente à igrejas, faculdades, pontos de ônibus e mercados, e em todos esses lugares eu me sentia observado e julgado. As pessoas paravam de comentar seus causos quando me viam e aí comentavam minha indumentária. Eu virara o causo. Uma piada. Uma alegoria de mal gosto.
Quando percebi eu estava com o maxilar tencionado, o rosto fechado. Estava me protegendo pela fisionomia. Notei então que pela primeira vez na minha vida eu estava com medo de apanhar na rua, de ser agredido por ser eu mesmo.
Um kilt não é uma saia feminina. Mesmo dentro do binarismo que nos aprisiona e em que somos imersos desde o nascimento me dá "respaldo" para usá-lo em público. Mas pelo fato de lembrar uma peça tipicamente feminina (em nosso país) ele se torna inadequado. Já aponta a todos que devo ser gay, promíscuo, sujo, caricato e desprezível. Houve época em que mulheres não podiam usar calças. Esses dias passaram, e esse "direito" lhes foi concedido. Mas um homem usar uma saia é uma transgressão ao patriarcado e a honra masculina. O machismo o condena e todos nós calamos ou reproduzimos seus ecos triunfantes de agressão.
Eu odeio as pessoas, desprezo a sociedade da qual faço parte e me sinto aprisionado em um fluxo que não vejo meios de conter, de reduzir, de transpor.
Cheguei em casa. Minha gata que dormia perto do portão se levantou e veio roçar-se em mim. Minha cachorra veio correndo do quintal e pulou sobre minhas pernas recobertas pelo kilt. Eu odeio as pessoas.
Se você frequenta uma igreja que diz que mulheres não podem usar calças e homens não podem furar as orelhas você é responsável pela travesti que morreu no seu bairro. Se você vai a um bloco de carnaval cuja "fantasia" são homens se travestirem de mulheres de forma jocosa você é responsável pela sua vizinha que foi espancada pelo marido. Se você faz piadas de "bichinha" você é responsável pelo gay que assassinaram na sua cidade. Se você diz que "é gay mas não é bicha" você é responsável pelo gerente do restaurante falar para você parar de beijar seu companheiro em público. Se você é contra a adoção de crianças por casais gays você é responsável pelo órfão que fuma crack na rua. 
Responsabilize-se. Policie-se. Modifique-se. Desconstrua seus preconceitos voluntariamente. Não é ser politicamente correto. É uma questão de humanidade.
A quem quiser eu empresto meu kilt. Ele é bonito, confortável, elegante e de graça te faz ver o mundo de uma maneira muito mais verdadeira."


Despidxs

(texto postado originalmente em 3/11/2013)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Indicação de filme - Sentidos do Amor

Assita online (legenda em espanhol): http://www.cuevana.tv/#!/peliculas/4555/perfect-sense


Ou alugue! Ou compre!


Sentidos do Amor (título original Perfect Sense) não é uma comédia romântica e nem um melodrama água com açúcar como pode parecer a tradução um tanto infeliz. É um filme muito interessante para suscitar uma discussão absolutamente pertinente para o nosso blog. Desconstrói nossas percepções cotidianas sobre nossos sentidos – como usamos nossos sentidos? Como privilegiamos alguns em detrimento de outros? Como isso altera nossa percepção do mundo? Enfim, engendra e alicerça uma discussão bastante rica sobre esses temas. Não pretendo falar mais aqui sobre o filme, para não dar nenhum spoiller, mas fica a dica e a sugestão para desenvolver algum diálogo sobre o tema aqui nos comentários. Vamos? 

A Carta!

Essa tarde tive uma ideia inusitada. Estava me comunicando virtualmente – por mensagem de celular – com uma pessoa que gosto muito. Estávamos num verdadeiro diálogo, uma conversa parecida com as que se dão ao vivo... Foi quando me lembrei do tempo que escrevia e recebia cartas, mais estimulado pela escola do que propriamente como um meio de comunicação cotidiano, como costumava ser. Mas, ainda que fomentado pela escola, passou a ser um costume. Mandava cartas pra minha tia que morava fora, alguns amigos que estavam distantes e até algumas para minha paixãozinha platônica que morava na mesma cidade que eu... E como era bom receber uma carta... No entanto, para mim caíra em desuso. Há bastante tempo não escrevia nem recebia uma carta. Resolvi então, escrever uma para essa pessoa com quem estava conversando virtualmente.
Fui escolher o papel que escreveria a carta – isso era importante oras! A final, era A CARTA que eu estava escrevendo, única e extraordinária. Depois de um tempo pensando escolhi um papel com linhas, pois minha letra ficava mais bonita e com a margem e detalhes em laranja – a cor preferida do meu estimado destinatário. Escreveria a caneta? Não, de lápis colorido, daria mais leveza e cor à carta, a tornaria mais especial e singular.
O que dizer na carta? Não estabeleceria um diálogo com o dinamismo quase instantâneo dos meios de comunicação virtuais dos dias de hoje, tampouco daria uma notícia que se urgisse fazer saber, sabia que nos encontraríamos antes da carta ser recebida. Debrucei-me sobre o papel e me detive por longos minutos a pensar o que escrever... Era simples... Na correria dos dias, na urgência dos afazeres, no dinamismo da linguagem contemporânea o que se perdia era a contemplação. Parece até demagogia com cheiro de lugar comum. O fato é que pouco tinha parado para refletir, ponderar. Pensar por pensar... Contemplar... Percebi que coisas simples ainda não tinham sido ditas, nada de importância capital que mudaria o curso das coisas. Mas coisas de um recôncavo meu pouco explorado para um recôncavo também pouco ressaltado do meu querido destinatário... Coisas que pra mim faziam bastante sentido serem ditas e que considerei importante serem ouvidas, lidas. Depois de um tempo pensando, contemplando sobre o papel saiu, quase que num respiro, uma “cartinha”. Chamo de “cartinha” não pela pequinês, mas pela simplicidade. Nada muito grande, muito revelador, mas era singular, singela e tinha uma partezinha minha lá que eu gostei bastante de conseguir fazer aparecer nela e tinha também um “retratozinho” do destinatário que me alegrou bastante que eu consegui colocar lá.
Saí para entregá-la. Fui até os correios. Há quanto tempo não entrava numa loja dos correios? Há quanto tempo não entrava numa loja dos correios para mandar uma carta? Enquanto esperava na fila, tentava me lembrar das formalidades de como mandar uma carta. Onde coloco o endereço do destinatário? Onde é o remetente? E o selo? Tenho que pagar? Quanto estaria custando uma carta? Como mandaria? Sedex ou Sedex dez? Correspondência comum? Em meio a essas questõezinhas me perdi ouvindo um Lulu Santos de fundo... Era uma música do primeiro cd que tive quando criança. E sabe como é a música, nos transporta pra um lugar, pra uma época. Fui parar nos meus 10 ou 11 anos, mesma época em que fui fazer uma visita aos correios com a escola. Lembrei-me do mar de cartas que vimos por lá, de como eram separadas e agrupadas para serem entregues. Lembro-me dos pacotes e da curiosidade que me suscitaram – o que tinha dentro deles? Cada um de nós levou uma carta para ser entregue... Quantas pessoas mais não receberiam cartas aquele dia além das nossas? Era um mar de cartas... “Imagina só quanta coisa escrita aqui nessas cartas...” – pensava eu. A hora do selo, no entanto, foi provavelmente a mais empolgante. Meu amigo tinha uma coleção de selos muito grande, invejável. Mas a quantidade, diversidade e raridade dos selos que o rapaz que estava conduzindo a visita nos mostrou aquele dia superou inegavelmente a coleção do meu amigo, foi uma euforia generalizada, saí de lá disposto a colecionar selos.
Mudou a música e eu voltei para a fila. O que será que as pessoas da fila iriam entregar ali, pelos correios? Passei a reparar e procurar descobrir. Um celular esquecido; cosméticos que tinham sido vendidos e deviam ser entregues; documentos, que provavelmente deveriam ser assinados; mais documentos; nenhuma carta! A função dos correios mudou, agora é outra – talvez para entregar mercadorias, coisas esquecidas, presentes, documentos, mas cartas não mais.  As pessoas não mandam mais cartas pelos correios. Temos e-mails, facebook, whats app, twitter, skype, telefone, enfim, a carta é pouco eficiente e muito demorada, a comunicação fica muito truncada e ainda por cima é cara se comparada com os outros meios. 
Talvez essa seja a função da carta nos dias de hoje, desacelerar em tempos de aceleração frenética... A carta me fez muito bem, mostrou-me coisas que talvez passassem desapercebidas na velocidade das comunicações contemporâneas. Um pouco como uma rua que a gente passa todo dia de carro, conhece bem, até que um dia a gente acaba passando por ela à pé e descobre infinitas outras coisas que ainda não tínhamos reparado quando estávamos no carro. A carta é andar à pé, é contemplar, é parar para pensar e é também uma surpresa e uma felicidade quando a gente recebe... Às vezes parece que estamos com o remetente ao recebemos uma carta, vem um pouco do cheiro da pessoa e vem também aquela partezinha deixada para trás com a velocidade dos tempos. Partezinha essa que é tão individual, tão pessoal e tão profunda.

Espero que a pessoa que receba minha carta sinta essa partezinha minha e goste da partezinha dela que eu coloquei no “retratozinho” que fiz. Espero também que se surpreenda como me surpreendi, com a importância, a singeleza e a beleza que ainda tem A CARTA! 

Despidxs